segunda-feira, 21 de julho de 2014

LINKS PARA OS LIVROS DO BIMESTRE

Pessoal,

seguem abaixo os links para a leitura dos livros do bimestre. Relembrando, são dois livros:

1) Fahrenheit 451, de Ray Bradbury;
2) 1984, de George Orwell

 
http://www.libertarianismo.org/livros/rbf451.pdf

http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_george_orwell_1984.pdf


sábado, 8 de março de 2014

Duas Crônicas

Crônica com diálogos e personagens 
Assemelha-se ao conto, mas de forma mais breve e simples. 

Depois do jantar
Carlos Drummond de Andrade


Também, que idéia a sua: andar a pé, margeando a Lagoa Rodrigo de Freitas, depois do jantar.

O vulto caminhava em sua direção, chegou bem perto, estacou à sua frente. Decerto ia pedir-lhe um auxílio.

— Não tenho trocado. Mas tenho cigarros. Quer um?

— Não fumo, respondeu o outro.

Então ele queria é saber as horas. Levantou o antebraço esquerdo, consultou o relógio:

— 9 e 17... 9 e 20, talvez. Andaram mexendo nele lá em casa.

— Não estou querendo saber quantas horas são. Prefiro o relógio.

— Como?

— Já disse. Vai passando o relógio.

— Mas ...

— Quer que eu mesmo tire? Pode machucar.

— Não. Eu tiro sozinho. Quer dizer... Estou meio sem jeito. Essa fivelinha enguiça quando menos se espera. Por favor, me ajude.

O outro ajudou, a pulseira não era mesmo fácil de desatar. Afinal, o relógio mudou de dono.

— Agora posso continuar?

— Continuar o quê?

— O passeio. Eu estava passeando, não viu?

— Vi, sim. Espera um pouco.

— Esperar o quê?

— Passa a carteira.

— Mas...

— Quer que eu também ajude a tirar? Você não faz nada sozinho, nessa idade?

— Não é isso. Eu pensava que o relógio fosse bastante. Não é um relógio qualquer, veja bem. Coisa fina. Ainda não acabei de pagar...

— E eu com isso? Então vou deixar o serviço pela metade?

— Bom, eu tiro a carteira. Mas vamos fazer um trato.

— Diga.

— Tou com dois mil cruzeiros. Lhe dou mil e fico com mil.

— Engraçadinho, hem? Desde quando o assaltante reparte com o assaltado o produto do assalto?

— Mas você não se identificou como assaltante. Como é que eu podia saber?

— É que eu não gosto de assustar. Sou contra isso de encostar o metal na testa do cara. Sou civilizado, manja?

— Por isso mesmo que é civilizado, você podia rachar comigo o dinheiro. Ele me faz falta, palavra de honra.

— Pera aí. Se você acha que é preciso mostrar revólver, eu mostro.

— Não precisa, não precisa.

— Essa de rachar o legume... Pensa um pouco, amizade. Você está querendo me assaltar, e diz isso com a maior cara-de-pau.

— Eu, assaltar?! Se o dinheiro é meu, então estou assaltando a mim mesmo.

— Calma. Não baralha mais as coisas. Sou eu o assaltante, não sou?

— Claro.

— Você, o assaltado. Certo?

— Confere.

— Então deixa de poesia e passa pra cá os dois mil. Se é que são só dois mil.

— Acha que eu minto? Olha aqui as quatro notas de quinhentos. Veja se tem mais dinheiro na carteira. Se achar uma nota de 10, de cinco cruzeiros, de um, tudo é seu. Quando eu confundi você com um, mendigo (desculpe, não reparei bem) e disse que não tinha trocado, é porque não tinha trocado mesmo.

— Tá bom, não se discute.

— Vamos, procure nos... nos escaninhos.

— Sei lá o que é isso. Também não gosto de mexer nos guardados dos outros. Você me passa a carteira, ela fica sendo minha, aí eu mexo nela à vontade.

— Deixe ao menos tirar os documentos?

— Deixo. Pode até ficar com a carteira. Eu não coleciono. Mas rachar com você, isso de jeito nenhum. É contra as regras.

—  Nem uma de quinhentos? Uma só.

—  Nada. O mais que eu posso fazer é dar dinheiro pro ônibus. Mas nem isso você precisa. Pela pinta se vê que mora perto.

—  Nem eu ia aceitar dinheiro de você.

— Orgulhoso, hem? Fique sabendo que tenho ajudado muita gente neste mundo. Bom, tudo legal. Até outra vez. Mas antes, uma lembrancinha.

Sacou da arma e deu-lhe um tiro no pé.


Texto extraído do livro "Os dias lindos", Livraria José Olympio Editora — Rio de Janeiro, 1977, pág. 54.

Conheça o autor e sua obra visitando "
Biografias".

                                                                                                                                               

Crônica reflexiva:   Assistam!  --- http://www.youtube.com/watch?v=kdfKWcm_cpI
A crônica reflexiva é aquela cujo autor projeta sua interioridade sobre a realidade que está a sua volta, interpretando-a e registrando-a através de conjecturas, inferências e associações de idéias. 
Exemplo
Vitória Nossa 
Olhe ao seu redor e veja o que temos feito de nós. http://www.youtube.com/watch?v=kdfKWcm_cpI
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos ser tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos, nem aos outros. Não temos nenhuma alegria que tenha sido catalogada. Temos construído catedrais e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e talvez sem consolo. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro que por amor diga: teu medo. Temos organizado associações de pavor sorridente, onde se serve a bebida com soda. Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de sermos inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de amor e de ódio. Temos mantido em segredo a nossa morte. Temos feito arte por não sabermos como é a outra coisa. Temos disfarçado com amor a nossa indiferença, disfarçando nossa indiferença com angústia, disfarçando com o pequeno medo o grande medo maior. Não temos adorado, por termos a sensata mesquinhez de lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sidos ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo”, e assim não chorarmos antes de apagar a luz. Temos tido a certeza de que eu também e vocês todos também, e por isso todos nem sabem se amam. Temo sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos. Temos chamado de franqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso temos considerado a vitória nossa de cada dia…
 
(Clarice Lispector) 
Vitória nossa, de Clarisse Lispector é uma obra de reflexão que revela os questionamentos e anseios dos homens. Utiliza uma linguagem que busca nas áreas mais profundas do inconsciente, onde encontram-se os arquétipos do comportamento humano, os desejos e medos, trazidos à tona por uma visão metafórica que interpreta estados de alma.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

PARTICIPE: CONCURSO DOS CORREIOS

Se você tem quinze anos PARTICIPE DO CONCURSO DE CARTAS, promovido pelos correios. 
Para detalhes, dê uma olhadinha nas postagens anteriores. 

Hoje vou postar algumas dicas para quem quer INSPIRAÇÃO! Boa escrita!

1) Pense em uma música que você gosta  muito, quem sabe você utiliza um trecho dela para iniciar seu texto;

2) Pesquisar a história de um grande músico/compositor para utilizar como exemplo em seu texto;

3) Escrever a carta para o seu músico/cantor/compositor predileto;

4) Escrever a carta utilizando vários trechos de músicas de boa qualidade;

5) Refletir sobre o quanto nós somos ligados à música utilizando dados (números estatísticos sobre o tema - a partir de pesquisa, claro).

... 

São muitas opções - tudo depende de qual a importãncia da música para você?

COMO FAZER UMA CARTA ARGUMENTATIVA

http://www.brasilescola.com/redacao/carta-argumentativa.htm
http://www.acrobatadasletras.com.br/2013/02/como-escrever-uma-carta-argumentativa.html


VÍDEOS

http://www.youtube.com/watch?v=x65wvWoEiVo
http://www.youtube.com/watch?v=vKvayUxP4r4
http://www.youtube.com/watch?v=4DOlbybXUDo

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Avaliação

Pessoal, está na página do CMC o gabarito de sintaxe. Lá tem algumas informações extras, não se preocupem com elas, pois seguirei o conteúdo que dei em sala.

Abraços

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Redações que merecem destaque

Olá, caríssimos!

Após lermos os artigos de opinião sobre o recente fenômeno dos "Rolezinhos", estudamos a estrutura do texto dissertativo-argumentativo, discutimos sobre o assunto e produzimos as redações. O tema é muito próximo da realidade estudantil e precisa, sim, ser pensado e compreendido. Embora não tivessemos nenhuma redação que atingisse a nota máxima (10,0), boas redações foram produzidas e focaremos para que ao passar do tempo as notas vão aumentando. Depois das correções a professora Lígia e a professora Simone me ajudaram a escolher uma redação destaque.  Desta vez, foi a redação da Aluna Geovana Santos, da turma 102. A redação foi escolhida devido à boa articulação entre os períodos e parágrafos; boa coerência e coesão, capacidade de progressão textual e argumentação. Selecionei também dois textos que se destacaram por motivos diferentes: estilo e forma. Confiram!


EXEMPLO DE REDAÇÃO BEM ELABORADA EM TODOS OS ITENS                               
(Gramática, argumentação, coerência e coesão e intervenção)

A REALIDADE POR TRÁS DOS ROLEZINHOS
Aluna Geovana Santos - Turma 102

       Os rolezinhos tornaram-se atração para todos os olhares brasileiros logo no início do verão. Multidões de jovens que combinavam passeios através das redes sociais faziam dos shoppings seu ponto de encontro. 
         Pode-se claramente perceber que tais movimentos não tiveram intenções políticas. Aconteceram no período de férias, no qual jovens preocupados com ostentação e exibicionismo passam o dia curtindo e compartilhando ideias na internet, um espaço tão amplo, em que podem ser encontradas milhares de amizades. Nada mais justo do que reunir a galera para bater um papo.
         Segundo a reportagem "O rolezinho e a desumanização dos pobres", exibida na mais recente edição da revista Superinteressante, os shoppings são espaços privados e bem organizados em áreas violentas e pobres, nos mostrando o quão desigual é a sociedade. Pesquisas revelam que até mesmo quem vive no limite da favela quer distância das pessoas que moram nas áreas ainda mais pobres da comunidade. 
          Fica claro ao analisar os fatos que os jovens precisam de espaço. Pelos dados do IBGE, vemos que há cerca de 2,715 milhões de pessoas distribuídas por mais de 1500 aglomerados favelados, onde não são encontradas áreas de lazer, além de uma ou duas quadras poliesportivas. Se a realidade fosse diferente, provavelmente o foco dos rolezinhos e, sobre eles, seria outro. 





A REDAÇÃO MAIS AUTÊNTICA                                                                                         
(Apresentou uma opinião bastante incisiva com estilo de escrita própria, autoria)                

ROLEZEIROS E UM DEBATE QUE NÃO LHES PERTENCE
ALUNO NICOLAS CARVALHO - TURMA 102

              Ainda que ninguém carregasse bandeiras de partidos ou qualquer indício de que se tratava de uma ato político, os rolezinhos se tornaram o centro de um debate político sobre a sociedade brasileira.  E nesse debate, a busca por um significado ideológico dos rolezinhos ocultou os fenômenos em si e as suas reais dimensões. 
            O fato de jovens se reunirem é comum - a internet apenas deu uma nova escala a isso. Os rolezeiros só procuram uma opção de lazer e diversão e provavelmente se indagam como que se chegou a esse delírio sociológico - assim como nós o fazemos. 
         Ainda assim, o modo como consumo e ostentação foram associados com o lazer e a recepção do ato pelos lojistas e policiais talvez denunciem um apartheid classista no Brasil. De qualquer forma, essa é outra discussão que passa bem longe da curtição que era o objetivo dos rolés. 




REDAÇÃO QUE ANTEDE À ESTRUTURA DO MODELO ENEM                                       

A OSTENTAÇÃO DOS ROLEZINHOS
ALUNA AMANDA CAROLINE - TURMA 101

          Nos últimos dias do ano de 2013, jovens vêm organizando eventos através das redes sociais, conhecidos como "rolezinhos". Alguns estudiosos acreditam que esses encontros tenham conotação de luta contra as desigualdades, porém, com um olhar mais crítico, podemos perceber que os rolezinhos são apenas ostentação.
           Em primeiro lugar, seus participantes se reúnem apenas para beber, beijar e "curtir". Eles não estão pedindo melhorias, estão querendo ser famosos, chamar a atenção. Dizem ao mundo que estão ali para ostentar, como vemos em vídeos que eles mesmo postam na internet. 
          Em segundo lugar, ao invés de pedirem mais locais de lazer, menos discriminação, os rolezinhos têm sido sinônimo de bagunça, pois em vários deles ocorreram roubos em lojas do próprio shopping.
         Para resolver este problema, além dos investimentos em infraestrutura por parte do governo, o policiamento nos shoppings deve ser reforçado, para que estes encontros não virem baderna e sejam algo agradável, saudável. 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

TÍTULOS "PRÁ LÁ" DE BEM PENSADOS!


Olá, que tal?

Nesta semana que passou, após uma maratona de correções das redações sobre um dos temas mais eletrizantes (!) do momento, precisamos avaliar os resultados: apreciar os acertos e corrigir os erros. Assim, preparei uma seleção dos títulos que alguns professores consultados e eu julgamos interessantes. Temos desde títulos simpáticos e descolados, como "#partiurolezinho", até os mais sérios e perspicazes, como "Rolezinhos: menos protesto e mais algazarra". Bem, confira você mesmo a lista abaixo! 




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Oi, pessoinhas!!

Na última aula "Sintaxe do período simples", nós analisamos um pedacinho da música "Inútil", da banda Ultraje a Rigor. Muitos alunos comentaram que apreciam a banda, então resolvi postar a letra e o vídeo, para aqueles que não conhecem virem a conhecer. 

Ouçam, vale a pena. Se quiserem comentar a respeito da letra e abrir um debate nos comentários, fiquem à vontade. 


Obs. a letra, como vocês interpretam os "erros"??

Beijos

Inútil

Ultraje a Rigor

A gente não sabemos
Escolher presidente
A gente não sabemos
Tomar conta da gente
A gente não sabemos
Nem escovar os dente
Tem gringo pensando
Que nóis é indigente...
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!
A gente faz carro
E não sabe guiar
A gente faz trilho
E não tem trem prá botar
A gente faz filho
E não consegue criar
A gente pede grana
E não consegue pagar...
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!
A gente faz música
E não consegue gravar
A gente escreve livro
E não consegue publicar
A gente escreve peça
E não consegue encenar
A gente joga bola
E não consegue ganhar...
"Inúteu"!
A gente somos "inúteu"!http://www.youtube.com/watch?v=9aHoWTs6xE0

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

ENTREGA DA REDAÇÃO

 Oiii pessoal,

Conforme o combinado:

1) Entrega da redação: 12/02
2) Tema: opinião a respeito dos rolezinhos.
3) Entregar à caneta, azul ou preta.
4) Caprichar na apresentação.

PARA QUEM ESTIVER COM DÚVIDAS E QUISER REVER OS SLIDES DA ÚLTIMA AULA, AQUI VAI O LINK

http://prezi.com/zopzzpjchaa8/producao-de-texto-dissertativo-argumentativo/

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Concurso de cartas - CORREIOS - INFORMAÇÕES

Olá pessoal!! Quem ficou interessado em participar do concurso dos Correios, preste atenção:

1) Idade: para se inscrever, o aluno precisa ter menos de 16 anos. No edital especifica que os alunos que tem 15 (quinze) anos até o dia 30/04/14 poderão participar do concurso. Quem completa 16 anos antes desta data, infelizmente, não poderá participar;

2) Prazo: até 17/03, mas é necessário entregar ao professor até o dia 01/03 (devido à fase de seleção na escola);

3) Limite para escrever: no máximo 800 (oitocentas) palavras - espaços e pontuação não contam; todos os outros elementos contam (data, saudação e endereço serão contados). 


4) Instruções:  O texto poderá ser dirigido a alguém real ou fictício, o conteúdo pode ser real ou fictício. O texto deve ser uma carta argumentativa sobre:

QUAL A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NA VIDA? 

 
 Dúvidas? Estarei na seção 1 para atendê-los. Beijoss


Aqui vai o link com o regulamento, tira-dúvidas etc.



REDAÇÃO NOS PARÂMETROS DO ENEM




terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Conto da Semana 03/02/2014: Felicidade Clandestina

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade". Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia. Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu nao vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte"com ela ia se repetir com meu coração batendo. E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. As vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados. Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler! E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer. Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. As vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante."

Felicidade clandestina - Clarice Lispector

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Novo Ano!!


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